segunda-feira, 29 de maio de 2023

Família que torce unida, permanece unida.





















































E deu Palmeiras hoje. Campeão Paulista 2008.








Já tinha uma vantagem sobre o adversário, Ponte Preta, que não sei se por pura bondade, deu um gol (contra) de presente para o Verdão.








Não sou palmeirense, mas admito que a vitória do Palmeiras foi bonita, apesar de o time ter estado bastante retraído até pelo menos a metade do primeiro tempo. Mesmo assim, saiu gol.








É muito interessante observar um torcedor apaixonado, como meu cunhado, por exemplo. Ele falava com a televisão como se o aparelho pudesse entender cada palavra. Gritava, colocava o hino de seu time para tocar em todas as versões existentes. Aliás, em japonês ficou péssima. A mais divertida foi a do Pato Donald.








Depois do jogo, fomos comemorar: três palmeirenses, dois corinthianos e dois são paulinos. E aí está a beleza de ser torcedor. Não tinha a menor idéia de como é uma celebração de torcida. Uma multidão gritando feliz, fazendo aquele alvoroço todo... Gostei!








Aqui na pacata cidade de Americana, família que torce unida, permanece unida.








segunda-feira, 20 de março de 2023

Jornada Íntima - capítulo 7

Bacana, o cachorro caramelo

 

Enquanto caminhava pela areia, um cachorro de cor caramelo veio correndo em minha direção. Parecia muito alegre, e ver seu jeito empolgado de pedir atenção me fez sorrir.

- Olá, lindinho! Que bebê bonito você é! Você mora aqui, garotão? 

Era muito dócil, foi fácil já esfregar os pelos curtos dele fazendo carinho,  lembrando com saudade do meu próprio cachorro, que ficara sob os cuidados do meu irmão durante minha ausência temporária.

Ele latia e balançava o rabinho sem parar, parecia realmente muito feliz.

Ouvi alguém chamando por um “Bacana”, entendi que esse devia ser o nome dele.

- Você é o Bacana, meninão? Que nome legal, se parece mesmo com você!

A voz era masculina. Fiquei com o Bacana ali na beira da água até seu dono se aproximar.

- Ah, bom dia! Não esperava ver outros loucos além de mim nesta ilha em pleno inverno!

- Digo o mesmo! – o homem riu, estendendo a mão direita para me cumprimentar -  Muito prazer, sou o Bruno.

- Oh, Bruno, o prazer é meu. Sou a Lana.

Apertamos as mãos, e eu sorri pra quebrar o gelo.

- Então, está sozinha na ilha, Lana?

- Não, não... Na verdade estou naquele primeiro chalé. Vim com um amigo. Ele é preguiçoso demais, então resolvi caminhar sozinha, mesmo.... E você? Só com o Bacana?

- Vim com um grupo de amigos, na verdade, pesquisadores. Sempre alugamos este espaço. Legal saber que temos companhia desta vez!

- Sim, realmente! Esse lugar pode ser bem solitário, e eu podia jurar que não havia mais nada além das três casinhas. 

- Estamos do outro lado da ilha, mas tem, sim, é um único espaço, só que bem maior, Acho que, juntando os três chalés, ainda sobra espaço. É para reunir mais pessoas, mesmo. Menos intimista. Os chalés são para luas de mel! Já nós, fazemos luau aqui quando não chove. Talvez hoje tenhamos sorte, se o tempo continuar firme.

- Isso seria ótimo. Mas estou na ilha há dois dias, não os vi antes. A ilha não parece tão grande.

- Não tivemos chance ainda, chegamos ontem.

- Ah, está explicado, não abrimos a porta do chalé ontem por conta da chuva. 

- Sim, quase nos obrigou a adiar mais um pouco a viagem. Mas viemos! E se tudo correr bem, lá pelas dez teremos uma fogueira decente, bebidas, música e alguma coisa para beliscar. Venha, traga seu amigo.

- Vou falar com ele, sim! A ideia é ótima. Bom, vou caminhar... Creio ter alguns quilômetros pela frente até chegar ao meu chalé.

- Vai andar quase três quilômetros entre pedras e areia.

- Uau! Você já calculou?

- Conheço esta ilha de ponta a ponta. Cataguases é quase nossa segunda casa.

- Interessante! Depois vou querer saber mais, então!

- Será um prazer! Aguardamos vocês hoje à noite!

- Ok, obrigada pelo convite!

- Sem problemas!

Dei meia volta e pareceu impossível segurar o sorriso que brotara em meu rosto do nada.

Bruno era simpático, e se não bastasse, também era lindo: dentes perfeitamente alinhados com um sorriso de perder o fôlego, cabelos cacheados meio ruivos, olhos azuis como o oceano. Rosto simétrico, e uma voz grave, combinava com o porte físico e aquelas costas de nadador olímpico. Minha mente já calculava o quanto me faria satisfeita estar de volta àquele lado da ilha ao anoitecer, e se Monster não quisesse me acompanhar, eu não perderia absolutamente nada.

Caminhei tranquilamente de volta ao chalé, cheguei por volta das onze da manhã, e Monster ainda dormia.

Não me importei com barulho, nem nada. O sol brilhava forte do lado de fora, aquele era um dia perfeito para não se desperdiçar com sono. Preparei um lanche de pão de fôrma com patê e tomates e enchi um copo grande com suco de laranja. Comi alegre, imaginando o quão promissora seria a noite, ver pessoas, ouvir outras músicas. Não que eu não quisesse estar onde estava, com quem estava. Mas sentia que precisava respirar fora do chalé, já estava cansada de ficar presa no paraíso.

 

“Com ou sem o Monster”, repetia mentalmente.

 

Monster, também conhecido por Michael, seu nome de batismo, era algo em minha vida considerado “paralelo”. Lembro de ter comentado com um primo meu que ele era uma espécie de amor platônico, que provavelmente duraria a vida toda.  

 

“Tenho minha vida, nunca parei nada por causa dele. É só que, se estivéssemos aqui agora, e ele me ligasse, pedindo para encontrá-lo, eu iria. Se ele quisesse um beijo, eu daria. Se quisesse me raptar, esse direito lhe seria dado. Em outras palavras, só há uma pessoa que me faria mudar a direção das coisas – essa pessoa é o Michael. Não há outro homem que eu tenha amado por tanto tempo, não há outro que tenha exigido de mim tanta coragem. Minha vida segue. Conhecerei outros homens, tenho certeza disso. Mas se tivermos a nossa chance, eu não pensaria duas vezes. Meu mundo seria dele.”

 

Meu primo me chamou de louca. Tão óbvio.

Eu não era nenhuma santa. Gostava da ideia de ter com quem compartilhar toda a minha insanidade. Nunca me prendi a ninguém, exceto João, um músico, na verdade, um exímio guitarrista. Mas isso foi há muitos anos. Chegamos a ficar noivos, e depois, tudo desmoronou e eu desisti de namorar outra vez. Vivi para meu trabalho, minhas histórias, viagens, amigos. E para Michael, porque afinal de contas, ele também era meu outro lado. Michael, meu Monster.

Coloquei uma pasta aleatória de músicas dele para tocar no notebook e terminei meu lanche tranquilamente. Monster nem se moveu.

“Esse remédio deve ser forte mesmo..."

Segui para um banho demorado e relaxante.

Estava ansiosa e animada com a ideia de ter algo diferente para fazer naquela noite, pensei novamente nos olhos lindos de Bruno, ele pareceu tão interessante! Olhar misterioso, voz gostosa...

E então, fui interrompida por batidas apressadas na porta.

- Boo! Abre a porta, preciso usar o banheiro! – gritou Monster.

- Estou ocupada, você não pode esperar? – não queria ser interrompida, especialmente não agora, que estava com o corpo todo cheio de espuma.

- Não posso, abre logo essa porta!

E as batidas continuaram até que não foi mais possível ignorar.

- Mas que saco, Monster!

Apressei-me para alcançar uma toalha e enrolei-a em meu corpo de qualquer forma para poder abrir a porta para a criatura desesperada do outro lado.

- Anda logo, Boo!

E mal abri, ele correu para o vaso.

- Que desespero, hein! Da próxima vez, vá lá fora. Vocês têm a grande vantagem de poder fazer isso em qualquer lugar, faça uso dela!

O box do banheiro era claro, então preferi aguardar até que ele terminasse o que tivesse ido fazer para voltar ao meu banho.

- Pode continuar seu banho, Boo....

- Vou continuar. Assim que você se retirar.

- Lá vem você de novo. Ainda está brava comigo?

- O que meu banho tem a ver com estar ou não brava com você?

- Por que não quer continuar o banho na minha presença?

- Porque eu já havia começado meu banho num evento solo, Monster. E você me interrompeu.

- Vamos ficar nesse clima? Sério?

Ele mordeu o lábio inferior e eu preferi virar o rosto. A boca dele exercia certo poder sobre minhas habilidades de decisão.

- Ei, Boo! Aqui, olha pra mim!

Monster segurou meu rosto com a mão, obrigando-me a virar para sua direção.

- O que é?

- Vai me tratar assim?

- Assim, como, criatura? Só quero terminar meu banho. Posso?

- Pode! Termine seu banho. Fique à vontade. Desculpe tê-la interrompido.

Bati a porta com raiva.

 

“Filho da mãe, é tudo na hora que ele quer... Mas não hoje!”

 

Apesar do sol e de um céu lindo lá fora, dentro do chalé, o clima era tenso.

Terminei o banho, vesti a troca de roupa que havia separado e saí com a toalha enrolada na cabeça, imaginando que o encontraria na cama.

Para minha surpresa, a cama e o moletom que ele usara naquela manhã estavam devidamente arrumados – a cama feita e o moletom dobrado sobre ela.

A porta do chalé estava aberta. Monster estava sentado sobre a areia: bermuda, descalço, regata branca e óculos escuros. Seus cabelos balançavam com o vento – lindos cabelos lisos e negros.

Deixei a toalha num pequeno varal improvisado e segui em sua direção.

- Passou o stress, criatura? – perguntei, em tom de brincadeira. Juntei-me a ele na areia, ignorando o fato de ter saído do banho minutos atrás.

- Eu preferia antes.

- Antes do quê?

- Antes, quando você acreditava em mim.

- Do que estamos falando agora?

Monster tirou os óculos e me encarou.

- Estamos falando de eu ter bons motivos para uma viagem, que deveria ser inesquecível e se transformou numa piada.

- Ah, é? A viagem se transformou numa piada?

- E não? Você acabou de me evitar lá dentro. A ideia era esquecer tudo e deixar as coisas acontecerem.

- Pensei que estivéssemos fazendo isso. Aliás, pensei, até vê-lo como vi.

- Eu não estou morrendo, ok? Passei mal, será que eu posso ser perdoado por isso? Ou devo fazer as malas e dizer que sinto muito por ter transformado suas férias e seu aniversário num cenário de filme de terror?

- Em pensar que eu era a dramática aqui. As coisas mudam!

- Você me entendeu.

- Olha só... Enquanto caminhava esta manhã, eu encontrei um cara que está numa casa há alguns quilômetros daqui. Ele me pareceu bem legal, nos convidou pra um luau que farão esta noite.

- Que rápida! Eu durmo e você já conhece outra pessoa.

- Vou fingir que não ouvi essa.

- Desculpa, desculpa.

- Se você não quiser ir, pode ficar. Eu vou.

Terminei a frase e me levantei sem olhar para trás.

Voltei para o chalé, fechei a porta e deitei sobre a cama arrumada, tendo o cuidado de mover o moletom de Monster da cama para cima da mala dele.

Cochilei quase que imediatamente.

Na sombra, o ar ainda parecia gelado, então joguei o edredom pesado sobre mim, ajeitei os travesseiros da forma mais confortável que consegui e permaneci em silêncio. Sentia os olhos pesados, o cansaço daquela manhã atípica estava me alcançando, e, se quisesse mesmo participar do luau, teria que dormir um pouco antes.

A porta rangeu e Monster entrou. Abri os olhos para me certificar de que era ele e os fechei novamente em seguida.

 

“Ele deve estar com fome, mas minha preguiça de perguntar é maior que a minha preocupação neste momento...”

 

Monster fez barulho na cozinha, então deduzi que estivesse preparando algo para comer.

Minutos depois, deitou-se ao meu lado.

Abri os olhos, aguardando seu próximo passo.

- Calma... Pode fechar os olhos... Vou ficar aqui quietinho. Prometo. Já entendi que você não quer. Vou me comportar.

- Não é isso...

- Quer que eu saia? Eu saio.

- Não precisa falar assim... Não tem que sair, fique aqui comigo.

Segurei sua mão e fechei novamente os olhos. Monster chegou mais perto de mim, senti seus lábios tocando os meus suavemente. Permaneci de olhos fechados. Ele usou sua outra mão para colocar parte de meu cabelo atrás da orelha e pousou em seguida a palma da mão em meu ombro direito.

- Você continua tão linda... Tem muito da Lana que conheci um milhão de anos atrás.

Ainda de olhos fechados, soltei um riso baixo.

- Fala o nome da droga...

- Que droga?

- Essa, que você usou, porque eu também quero!

- Boba. Sempre te achei linda.

- Só esqueceu de me contar...

- Perdão. Você é linda. Sempre foi.

Suspirei. Abri lentamente os olhos – Monster me encarava com um olhar indecifrável.

- O que foi, pessoa?

- Preciso te beijar de novo.

A mão quente de Monster tocou meu rosto e ele se aproximou novamente. Seus lábios macios tocaram os meus, mais demoradamente, e outra vez ele me olhou nos olhos.

- Posso?

Fiz que sim com a cabeça e ele então colou os lábios nos meus.

O movimento lento e intenso de sua língua provocou reações imediatas em mim. Precisei tocar seu corpo, abraçá-lo. Estando ali, entendia porque ele me fazia desistir de tudo. Eu me encontrava em seu abraço. Era meu lugar favorito no mundo. Sempre fora. Sempre seria.

 

 

sábado, 18 de março de 2023

Jornada Íntima - capítulo 6

 


 (música: Das coisas que eu entendo, Nenhum de Nós)

Ilha de Cataguases - RJ

Sob a luz do sol, a ilha era rica em cores. Uma beleza natural de encher os olhos.

Deixei a cadeira onde a peguei, fiz da manta uma espécie de poncho e segui, margeando a beira do mar. O ar frio da manhã aos poucos ficava mais agradável.

Durante a caminhada, tentei organizar os pensamentos. Revi as várias situações em que Monster havia precisado de suporte – as crises que o vi ter, o modo como ele reagira, a própria aceitação de sua condição – ele nem sempre lidara bem com o fato.

Mas nunca esteve sozinho. Mesmo quando se esquivou de mim, ele ainda tinha alguém por perto. Tinha em quem se apoiar.

Há algo que preciso dizer sobre meu amigo e meu amor: ele sempre foi o irmão desinibido, o que aprontava mais, o mulherengo, o que experimentou todas as drogas que foram colocadas diante dele. Sempre amou a altura, a velocidade e o perigo. Soube aproveitar cada dia de vida que lhe fora dado. E todas as pessoas ao redor dele podiam sentir essa aura tão viva, era como um ímã. Monster atraía as pessoas para si com sua alegria, sabia cativar, conquistar. Ele era o tipo certo de cara errado e qualquer mulher que eu conheço teria sentido vontade de experimentar seu beijo. Eu o fiz ainda bem nova, não pela curiosidade, mas porque na altura dos acontecimentos da época, vi-me já completamente apaixonada por ele.

Só que desde sempre Monster fora meu mar de decepções. Então, a única pessoa do meu circulo de amizades que o aprovava era uma outra amiga – tão louca quanto eu.

Quem acompanhou minha história com Monster jamais daria a bênção para a viagem que estávamos fazendo. Diriam que eu perdi a cabeça de vez. Mas quando se tratava de Monster, era impossível permanecer sã.

Ele era a personificação da loucura. Meu tipo favorito de droga, embora tivéssemos usado outras drogas, juntos. Nosso lema era “não dizer não para o que vida tem de bom”.

Vimos o dia amanhecer inúmeras vezes, sentados à beira da praia, sob efeito de algum remédio ou simplesmente cocaína.

Depois dele, precisei das mesmas drogas para não ser capaz de sentir coisa alguma, tamanha era a saudade que tinha de nossos momentos bons.

Para ele, eram apenas noitadas muito boas, com direito a todos os excessos que fossem possíveis. Tudo que meu dinheiro pudesse comprar para me deixar “mais louca”.

Parte de mim queria aquela alegria, que antes era nossa. A outra metade só precisava esquecer do buraco imenso dentro do coração desde que ele decidira se afastar.

Tanta coisa aconteceu, que era difícil saber quando exatamente começamos a errar.

Provavelmente eu tenha mesmo destruído nossas melhores chances sendo infantil, permitindo que meu ciúme me tornasse cega. Eu nunca o tive de verdade, mas gostava da ilusão de ser parte importante de sua vida, de forma que ninguém mais poderia ser: eu era seu outro lado, o lado “fêmea”, a parte dele que foi separada, e vice-versa.

E fomos parar numa ilha, por razões que ainda me eram desconhecidas, e fizemos amor duas vezes. Estivemos conectados como há muito tempo não acontecia. De repente, eu o vi caído no chão, todo suado, pálido, amparado pelo vaso sanitário sujo de sangue. Para quem sempre o viu como uma espécie de deus, a imagem de um homem frágil e vulnerável me foi muito chocante – eu sabia um pouco sobre os efeitos colaterais de seu tratamento, e aquilo não fazia sentido.

Estarmos na ilha também não. E fazer amor também não.

Ele, tendo um ataque de romantismo seguido por um ataque de fúria – isso fazia ainda menos sentido.

O Monster que eu conhecia adorava jogar charme como isca e ver se eu entrava na dele, para depois puxar a linha de volta, sem me dar tempo suficiente para abocanhá-la. Ele tinha seu lado egoísta. Mas não foi por ego que havia me levado àquela ilha. Havia algum outro motivo. Eu só queria entender.

Por que era tão difícil aceitar que aquele fosse apenas um gesto sincero de um tipo diferente de amor?

Porque ele não me amava. E eu tinha plena consciência do fato. Por amá-lo, não poderia, no entanto, dizer não ao convite – que foi meio que uma convocação.

Monster não me amava. Nunca sequer fora apaixonado por mim. A visão dele a meu respeito era bem clara e resolvida: somos amigos. E quero que sejamos amigos para sempre.

É claro que no fim daquelas noitadas, às vezes perdíamos um pouco a noção e tentávamos algo mais ousado como um beijo, mas era sempre desconcertante, porque eu queria um lado romântico dele que nunca aflorava. Esperava pelo próximo passo, acreditando que pudesse ser um abraço, mas era só um riso eufórico, ou um grito, desses que damos quando estamos diante de algo extremamente excitante.

- Foda, Boo! Que noite foda!

Era isso.

Um beijo raso seguido de sua euforia, típica dos excessos da noite.

Desta vez eu não precisei pedir o beijo. Não precisei dar nenhum sinal. Ele quis cada um dos beijos que aconteceram na ilha, avançou o sinal sem pudor algum, tirou a taça de vinho das minhas mãos, me levou para a cama, beijamos como loucos. Até a boca se avermelhar e inchar. Até não conseguirmos mais. E tudo me pareceu bom. Gostoso.

Ele quis. Ele QUIS.

Por que agora?

Tinha algo a ver com a cena do banheiro – isso era certo.

Mesmo que ele não contasse que eu pudesse ver nada daquilo, agora já era tarde.

 

 

sexta-feira, 17 de março de 2023

Jornada Íntima - capítulo 5

 Música: Space Odity, David Bowie

Eu caminhava por uma rua de algum bairro desconhecido. Era fim de uma tarde cinza, céu nublado. Não havia ninguém comigo, apenas carros passando vez ou outra no que deveria ser uma avenida. Ao longe, no alto, um avião se aproximava – um percurso normal. 

Mas algo não estava bem com aquele avião. Eu conseguia ver que sua asa esquerda soltava uma espécie de fumaça preta pesada, ela caia através do que me pareciam pequenos tubos. 

“Que droga, isso não está certo... Essa fumaça não podia estar aí...”

De repente, parte da asa simplesmente se soltou do avião e caiu bem próxima de mim. Visto do alto, o avião parecia pequeno, mas aquele pedaço de asa, agora no chão, era imenso. Pela envergadura na ponta da asa, reconheci a marca: era um Boeing, provavelmente um modelo 737 (embora morresse de medo de voar, eu sempre fui apaixonada por aviões).

A tragédia era iminente.

Em segundos, a imensa máquina despencou no chão, causando uma enorme explosão. O avião se transformou em fragmentos, e não havia sobreviventes.

Esfreguei os olhos, e ao abri-los, estava na cama do chalé. Mais um clássico pesadelo com queda de aviões. Tentei durante anos encontrar explicação para essa sequência infinita de pesadelos, sem sucesso.

Ainda sem me virar, apenas estiquei o braço para alcançar Monster e me deparei com o espaço dele na cama vazio. Pela luz que vinha da fresta na parte inferior da porta fechada do banheiro, ele estava lá. O relógio marcava 04:47 da madrugada – a noite havia passado rápido.

Levantei ainda meio cambaleante e segui para a cozinha atrás de um copo d’água. Minha garganta estava seca e a dor de cabeça indicava que eu teria uma bela manhã de ressaca pela frente. Procurei no meio da bagunça da mala por um analgésico.

“Impossível encontrar alguma coisa nessa zona... Quer saber, vou pedir ao Monster!”

 

Como a porta não estava trancada, bati de leve e já me preparava para abri-la, quando fui interrompida por um grito de Monster.

- Está ocupado, droga!

- Calma, Monster, sou eu! – Nunca havia visto Monster gritar com ninguém e, de repente, no meio da madrugada, numa ilha, numa semana “romântica”, ele gritou. E justo comigo.

- Hora errada, por favor, fecha a porta, Boo!

- O que há com você?

- Nada, me deixa sozinho.

- Você está ajoelhado sobre o vaso, Monster. Nada uma ova! O que você tem?

Ignorei o pedido dele para me afastar e entrei apressada. Ele tentou fechar a tampa do vaso, mas antes que pudesse completar a tarefa, vi as manchas do que devia ser sangue.

- O que diabos está acontecendo aqui, Monster?

- Bebi demais, só isso. Eu não te pedi para sair daqui? Pode, por favor, me deixar sozinho?

Monster estava pálido, com a roupa úmida. Gotas de suor escorriam de sua testa. Parecia longe, muito longe de estar bem. Eu estava com sintomas de ressaca, mas não era como a imagem diante de mim.

- Como posso te ajudar? Por favor, não me diz pra sair de perto, porque isso eu não vou fazer. Tem algum remédio que você usa quando não está bem? Você quer que eu pegue? Monster, por favor!

Mas ele sequer me deixava tocá-lo. Tentava me aproximar e ele virava o rosto, se esquivava de qualquer tentativa de toque meu.

- Por que está fazendo isso, Monster? Você precisa de ajuda, droga! Me deixa ajudar!

- Sai daqui! – ele berrou novamente, desta vez, virou-se para me encarar, e seu olhar era de fúria – uma fúria que mais parecia dor aguda.

Saí do banheiro em choque, com lágrimas já escorrendo. Depois de uma noite “perfeita”, aquela madrugada havia se transformado na continuação do meu pesadelo com aviões.

Eu não tinha pra quem ligar, não havia ninguém além dele ali comigo, e ele me expulsara do banheiro, irado. Pela expressão de dor e palidez de seu rosto, devia ser algo relacionado ao seu problema de saúde. E isso significava uma coisa só: ele mentiu sobre estar bem.

Ouvi o som da água caindo – devia ter entrado no banho.

Mais meia hora se passou, e a essa altura, era possível ver o dia nascendo. Liguei a cafeteira e me agasalhei para sair do chalé.

Com uma caneca cheia de café e carregando uma manta leve, saí.

Joguei a manta sobre uma das cadeiras de praia que estavam encostadas na varanda e a carreguei comigo até a beira do mar. Seria um longo dia. Com Monster trancado no banheiro e claros sinais de que sua saúde não estava tão bem como ele havia prometido, eu cobraria explicações. E isso geraria conflitos, que desejei tanto poder evitar.

Fui invadida por uma tristeza que fazia com que as lágrimas não cessassem mais. De repente eu não chorava mais apenas pelo modo agressivo com que fora expulsa do banheiro por Monster – agora era tudo. 

Todos os últimos eventos, os dois dias incrivelmente felizes que pareciam ter ido por água abaixo, as pequenas mentiras que ele havia me contado ao longo dos anos, tudo que fiz para mantê-lo em minha vida, as viagens malucas para acompanhá-lo em suas férias pelo mundo, todos os planos desfeitos, os desencontros, os anos sem contato – minha busca infeliz. Lembrei de como ele desistiu fácil do que tínhamos. Monster, na verdade, sempre desistiu fácil demais de mim. 

E ele sabia que eu aceitaria qualquer demonstração de afeto. Era meu perfil – embora tivesse uma vida paralela à toda aquela insanidade que era nosso relacionamento, eu me transformava numa criança feliz diante de sua presença. 

Contentava-me com os pequenos presentes, as mensagens vindas dos diferentes países que ele eventualmente visitava. Era sua forma de dizer que se importava, ou que pelo menos, lembrava da minha existência.

Eu ainda tinha o colar com pingente de maple leaf em prata. 

Nunca deixei de usá-lo. Assim, carregaria parte dele comigo por onde quer que eu fosse. A história daquele colar nos fazia rir sempre.

Certa vez, Monster veio ao Brasil para passar suas férias – vinte bons dias para fazer qualquer coisa que lhe apetecesse.

Normalmente, teríamos combinado com meses de antecedência caso houvesse espaço em sua agenda para um encontro comigo. Mas, desta vez, ele resolveu me surpreender com um telefonema inesperado.

- Ei, doidinha! Lembra de mim?

- Ah, não creio! Monster! – coração prontamente acelerado.

- Vou enviar um endereço via sms para você. Quero que me encontre neste lugar hoje à noite, por volta das 21 horas, ok?

- Uau, mas nem vai perguntar se eu posso?

- Eu sei que pode.

- Está certo... Vemo-nos logo mais então.

- Isso ai, Boo! Até mais!

Era um restaurante japonês em Pinheiros, na grande São Paulo. Um jantar com mesa reservada.

Naquela noite, o assunto foi meu novo emprego e minhas ambições para o futuro. Ele pareceu satisfeito com minhas novidades. Seguimos para um motel de luxo que ficava paralelo à marginal.

Monster e eu num motel? Ora, ora.

Apenas para podermos ficar na companhia um do outro até o dia amanhecer. A regra era clara: nada de contatos íntimos. Éramos amigos. Amigos não fazem sexo. Amigos são amigos.

No final daquela noite, despedimo-nos e eu retornei para minha pacata cidade interiorana. O engraçado veio depois, quando Monster e eu nos encontramos num chat, e ele me disse, chateado, que havia perdido o presente que trouxera para mim.

Eu contei a ele que encontrara um colar que me fazia lembrar uma folha de maconha. Ao dar os detalhes do colar, ele caiu na gargalhada:

- Boo, não acredito que você não reconheceu o pingente!

- Como assim?

- Esse era o “meu presente” para você: um colar com pingente de maple leaf, o símbolo do Canadá!

- Ah!

- E você nem pra me falar?

- E como é que eu ia saber? Não estava embrulhado para presente, pessoa!

- Eu pretendia colocar em seu pescoço e te fazer uma surpresa.

- Poxa vida... Mas de qualquer forma, o colar está comigo. Presente entregue!

- Sim... E então, eu espero que tenha gostado.

- Amei.

Foi uma noite especialmente boa, e desde então, a pequena maple leaf estava sempre comigo - sentada ali diante da imensidão azul, fechei a mão em torno do pequeno pingente, desejando poder voltar no tempo.

A vontade de permanecer na ilha fora embora. Eu queria a minha realidade, meu apartamento, meu mundo, queria poder chorar sem ser incomodada. Começava a entender o motivo de toda aquela mudança de atitude de Monster, e entender não me agradava nem um pouco.

O sol dava seus primeiros sinais – teríamos ao menos uma manhã sem chuva, apesar do frio da ilha.

Senti algo gelado tocar meu ombro.

- Me desculpe. Desculpe por eu ter gritado com você.

Virei para olhá-lo. Monster ainda estava pálido, porém parecia melhor do que quando o vi mais cedo, caído no chão do banheiro. Vestia um conjunto de moletom cinza claro, meias e chinelos. Os cabelos estavam secos – ele provavelmente havia usado o secador, não que eu tenha ouvido coisa alguma àquela distância. Ele aparentava estar doente, mas continuava lindo – talvez até mais que o normal.

- O que houve com você?

Minha preocupação era real. E eu aguentaria uma briga, se fosse necessário, mas não terminaria aquela conversa sem arrancar dele o que quer que estivesse escondendo.

Monster se abaixou, até ficar apoiado nas pernas, numa linha um pouco abaixo da minha. Uma de suas mãos segurava o encosto da minha cadeira e a outra ficou apoiada na testa, protegendo seus olhos do sol.

- E se eu disser que prefiro não falar sobre isso? Vamos simplificar esclarecendo apenas que bebi mais do que devia ontem e meu fígado não processou o álcool muito bem.

- Seu fígado não processou o álcool muito bem? – perguntei em tom irônico.

- Isso mesmo. Mas eu já tomei a medicação apropriada para situações assim, e tudo que preciso agora é de algumas horas de sono. Quando acordar, estarei novo em folha. Ok?

- Não. Nós vamos embora.

- Você está louca? De onde tirou que vamos embora?

Ele se levantou, me dando a impressão de que estivesse a ponto de gritar comigo outra vez.

- Claramente você não está bem, não é preciso ser muito inteligente para perceber isso. Eu bebi demais ontem, estou de ressaca, sinto dores na cabeça, acordei zonza, e tudo mais. Mas não vomitei sangue. Não fiquei largada no banheiro, não gritei! Então, não tente me convencer de que está tudo bem, Ok? Não vou ficar presa no fim do mundo com você passando mal desse jeito! Temos que voltar pro continente e temos que voltar agora!

- Não viaja, Boo. Você está surtando à toa. Não tem nada de errado comigo. Só não posso exagerar mais no álcool. Eu não sou idiota, não ficaria numa ilha com você se não tivesse condições pra isso. Se você não quiser ficar, então é problema seu – sua vontade. Mas não faça de hoje de manhã uma desculpa pra sair daqui antes da hora!

- Você é quem sabe, Monster. Eu não tenho nenhum problema. É sua saúde que está em jogo aqui. Que fique claro.

- Eu sei me cuidar. Agora, por favor, podemos entrar? Ou pelo menos, você se incomoda se eu entrar? Tomei um remédio que dá sono, preciso dormir um pouco.

- Fique a vontade. Eu vou aproveitar o sol e caminhar um pouco.

- Tudo bem. Estarei lá dentro. E novamente, me desculpe por ter gritado com você.

- Ok.

 


quarta-feira, 15 de março de 2023

Jornada Íntima - capítulo 4

 

(música: Lisa Marie Presley, Just a dream)


Nossa tarde foi divertidíssima.

Ele realmente me surpreendeu com seu prato: peixe assado com legumes. O cheiro e o sabor estavam fantásticos. Nunca fui muito fã de peixes, especialmente assados, mas tive que dar o braço a torcer – ele acertou em cheio. 


Percebi que durante a tarde, ele resolveu beber um pouco mais, estava visivelmente alterado, mas engraçado como jamais o vira ser. Falamos sobre tudo, exatamente como fazíamos nos bons tempos. 
Pessoas, músicas, filmes, livros, nossas noitadas, adolescência... Um assunto levava a outro e assim a tarde caía.

A chuva não deu trégua, mas mal percebemos a noite chegar. Havíamos passado muitos dias em horas de conversas intermináveis, mas havia algo de diferente agora. Era como se tivéssemos realmente entrado no universo um do outro, ele me disse na noite anterior que queria que eu o conhecesse, e a sensação que eu tinha era que, pela primeira vez, estávamos vendo um ao outro sem aquele escudo protetor – havíamos derrubado os muros que cercavam os pontos mais delicados de nossas histórias – vivemos por anos em mundo paralelos, e estávamos enfim partilhando esses mundos, nas palavras dele, sem restrições.


Em alguns momentos, eu me pegava imaginando a saudade que sentiria depois de terminados aqueles curtos dias na ilha. 
Passamos então ao meu primeiro livro – “Até o coração trair”.


- Sabe como eu conheci seu livro, Boo?


- Nem faço ideia. Mas aí está – gostaria muito de saber, já que ele não foi publicado fora do país.


- Certa vez, estava de férias por aqui e resolvi fazer compras. Acabei indo parar num shopping. Não sou muito chegado a livrarias, mas naquele dia eu resolvi entrar. Vi seu nome por acaso, mas pensei que fosse apenas coincidência, não estava procurando nenhum tema específico. Voltei para a prateleira onde havia visto o seu nome e então me dei conta que não era um engano: a Srta Boo realmente havia lançado um livro!


- Que emocionante, não?


- Não subestime seu potencial, Boo...

 
- Não é isso. É que, você sabe, trata-se de um romance. Não é o assunto mais interessante para um homem. 


- Se eu não te conhecesse, talvez. Mas fiquei muito curioso. E me surpreendeu a semelhança que acabei encontrando em alguns de seus personagens.


- Tenho que tirar a inspiração de algum lugar...


- Fato. Mas, conte-me... Você reuniu mesmo alguns perfis de pessoas que já passaram pela sua vida, não?


- Eu costumava escrever textos com assuntos separados. Toda vez que sentia a inspiração vir, parava o que estava fazendo para escrever, a maioria ficava guardada em pastinhas separadas por temas. Então percebi que era possível reunir algumas histórias – dai veio a ideia de, de repente, fazer isso ter um começo, meio e fim.

Deu certo, ao que parece. O livro não é um Best seller, mas significou muito para mim. Diria até que foi uma espécie de exorcismo.


- Como tirar as histórias da sua cabeça e sentir que estava se livrando delas?
- Eu tinha muitos pensamentos. Minha mente me fazia entrar em um universo totalmente paralelo e qualquer evento externo me obrigava a sempre escrever mais e mais. É como se a realidade me desse a ideia e imediatamente, ela se tornasse assunto para mais um capitulo. Vai entender...
- Acho isso fantástico. Aliás, sempre admirei sua habilidade com as palavras.
- É uma pena que não funcione tão bem assim na vida real... Coleciono fracassos em relacionamentos por falar sempre mais do que devo. 


- Você coleciona fracassos ou falta de tentativas?


- Quando sinto que corro perigo, me afasto. Todas as pessoas normais tendem a se proteger. O meu problema é o próximo passo.


- O próximo passo seria se apaixonar?


- Exatamente. É como se a parte mais importante do meu cérebro fosse desligada. Tive uma primeira experiência ruim, um relacionamento pra lá de conturbado que me ensinou a auto preservação acima de tudo. Você me viu enciumada – eu literalmente surto.
- Já vi você com ciúme, mas perto de pessoas que conheci, até que você me pareceu bastante calma.


- É que em geral estávamos relativamente distantes, pelo menos distantes o suficiente para que você não pudesse perceber o nível da loucura.


- Eu entendo, embora não consiga ser assim. Não digo que não sinta ciúme, mas acho que no meu caso, é mais fácil de resolver. 


- Você não é ciumento... Ao menos não que eu tenha conseguido perceber nesses anos todos.


- Senti ciúme inumas vezes. Apenas reajo de forma diferente. Nesse ponto, tenho certo controle. Prefiro o silêncio. Esse sentimento passa, basta saber esperar.


- Depois dessa primeira experiência, sempre que senti ciúme, tentei sair de perto. Eu criei uma espécie de armadura – se me sentisse “ameaçada”, ao invés de deixar o sentimento me dominar, eu me fechava em meu mundo e deixava a vida seguir por dias, até que sentisse que era capaz de uma conversa normal, de pessoas adultas.

Infelizmente, no nosso caso, agi mal em quase todas as ocasiões.


- Acho que sei do que está falando...


- Sabe, sim.


- O que te deixava tão enciumada naquelas situações, afinal?


- Se analisar, verá que eu não estava totalmente errada. Você atravessava uma fase delicada e eu estava vinte e quatro horas por dia à sua inteira disposição. Às vezes nem era preciso dizer, eu sabia que precisava agir, tinha que fazer seu astral melhorar, precisava te ver de bom humor e não descansava até que finalmente arrancasse um sorriso seu.


- Verdade, Boo... Você foi fantástica, fez a diferença naquela fase obscura.


- E então comecei a ver seu progresso. As coisas estavam voltando ao normal, você já não parecia mais tão triste, mas, ao mesmo tempo, conforme melhorava, também percebi que você queria atrair a atenção daquele bando de mulher. Quando eu via sua reação diante de todo aquele flerte, era como se algo ruim me atingisse de imediato. Não entendia porque você fazia questão de flertar de volta, e me irritava ainda mais quando eu tentava te repreender “amigavelmente” e você me dizia para relaxar. 


- Achava hilário como você ficava brava comigo. Mas era de se esperar. Hoje talvez eu não agisse da mesma forma, só que naquela época, precisei mesmo atrair a atenção do universo feminino por ter acabado de sair de uma relação de anos – eu não sabia se ainda conseguia. Descobri que sim, e descobri rápido. 


- Foi aí que comecei a estragar tudo. Parecia engraçado no começo, eu sei. Só que depois fiquei insuportável.


- Confesso que naquele ponto, eu não soube mais como lidar com você. Sentia falta da leveza da nossa convivência.


- Eu também sentia falta, não era a mesma coisa sem você. Combinamos de falar tudo abertamente, certo?


- Certíssimo, Boo.


- Pois bem, Monster. Meu mundo ficou vazio sem você por perto, e eu tinha total consciência de que só havíamos chegado àquele ponto por conta das minhas crises.


- Fez falta para mim também, embora eu ainda te acompanhasse à distância.


- Pelo site?


- Pelo site, pelas redes sociais... Eu era mais corajoso que você. E sempre acabava lendo algo que tinha algo a ver comigo. Você deixava mensagens lá que pareciam ter sido escritas para mim.


- E eram, mesmo.


- Eu sabia! 


- Essa se tornou a única forma de falar com você.


- A melhor parte é que isso tudo já passou. Nós estamos aqui, a noite está apenas começando e ainda temos cinco dias pela frente.


- Não te agradeci ainda...


- E não me agradeça. Ainda não terminou.


- Mas já está perfeito.


- Eu concordo. 


Conseguimos enfim, levar um assunto mais sério, que motivou nosso distanciamento, sem interrupção, e de forma tranquila. Parecia muito fácil agora que ele estava diante de mim.

Sem mencionar o fato de que ele me olhava o tempo todo como se estivesse lendo tudo que se passava dentro de mim. Parecia inútil dar uma versão diferente.


A noite chegou fria e chuvosa. Eu estava pouco me importando com o clima, até fiquei feliz por não podermos sair do chalé.
Deixamos novamente tudo em ordem na cozinha – parecia combinado: eu lavando, ele enxugando e guardando, sempre com música de fundo. Vez ou outra nós cantávamos trechos juntos. Tínhamos um set list bastante vasto, e ele trouxe um arsenal musical de fazer inveja. 


- E agora, parceiro? 


- E agora eu vou pro banho, parceira. Quer se juntar a mim?


Fiquei tímida de repente.


- Ah, acho que não é uma boa idéia... E eu já tomei banho, enfim...


- Já te vi sem roupa, Boo... Relaxa, é só um banho!


- Eu acho melhor você tomar esse banho sozinho hoje... Quem sabe até o fim da semana...


- Não sabe o que está perdendo.


- Faço ideia... Vai logo pro seu banho e pare de me dar ideia errada, Monster.


- Você é quem manda... 


Deixei que ele fosse pro banho sozinho, embora meus instintos me fizessem crer que aquela era a decisão mais idiota que eu podia ter tomado. Não me sentia à vontade, sempre falamos tanto a respeito de nossas experiências, fiquei com medo de ser comparada a alguma outra mulher que soubesse tomar um banho de forma mais “sexy” que eu – e além disso, eu era o desastre em vida. Tropeços, quedas, coisas quebradas e outros vexames faziam parte da minha vida.
Fui para a varanda do chalé para fumar.

 

Havia muito para pensar e aquele ainda era nosso segundo dia juntos. Nossa convivência pareceu tão natural, como se já tivéssemos feito coisas do gênero dezenas de vezes antes. E isso era estranho, definitivamente. 


“Um mundo tão grande, e onde é que viemos parar... Como ele pensou nisso?”


Aumentei o volume da música e aproveitei para encher uma taça com aquele vinho delicioso que tomamos durante o almoço.
Voltei para a varanda para mais um cigarro e me sentei numa das cadeiras que havia por lá. Não me cansava daquela paisagem: tudo em volta de nós era oceano – um mar de tranquilidade que atingia a alma. 


Estávamos longe do mundo, sem conexão com a internet e sem sinal no celular, não havia incômodo de espécie alguma. Éramos a distração um do outro e até aquele momento, bastava para nós.
Antes que caísse num cochilo, ouvi Monster me chamando para dentro.
- Boo... Está frio aí.


- Estou entrando...


Voltei calmamente e me deparei com Monster ainda de toalha, cabelo molhado e... Bem, aquele olhar que sempre me tirou o fôlego.
Meu coração imediatamente respondeu à visão com batimentos acelerados.
Ele veio em minha direção, tirou a taça da minha mão e quando percebi, já estávamos colados um no outro, num beijo outra vez intenso. Suas mãos agiam rápido para me despir, e nessa dança fizemos nosso caminho até a cama. Monster se posicionou sobre mim, e, com a boca colada em meu ouvido, pediu que eu esquecesse o mundo e me “concentrasse em nós”.


Invertemos a posição de nossos corpos e foi a minha vez de pedir a ele que me deixasse “brincar”.


Explorei cada centímetro de seu corpo com a língua e aos poucos fui aprendendo quais eram as áreas mais sensíveis – e me concentrei nelas.

Monster respondia com sussurros, enquanto suas mãos tentavam agarrar o que estivesse por perto.

Cheguei então ao seu sexo e fiquei longos minutos ali, e quanto mais os movimentos se repetiam, mais ele sussurrava e eu me perdia em excitação.


Subi lentamente entre beijos e pequenas lambidas em seu peito até chegar à boca – mais beijos, mordidas nos lábios, eu me dividia entre sua boca e seu pescoço, enquanto ele me abraçava com força. 
Invertemos novamente nossas posições e foi a vez dele de me percorrer. Mas minha sede era muita, então movi meu corpo de forma a termos acesso a ambos os sexos. 


Perfeita sincronia – nossas bocas e nossas respostas em igual prazer. 
Quando voltamos à posição original, ele parecia uma máquina em potência máxima me penetrando com força. Estávamos a um passo do clímax.

 
Enterrou seu rosto em meu pescoço e então voltou-se em direção do meu rosto para um beijo. E enquanto nos beijávamos, sentíamos os espasmos do clímax. Aos poucos, a urgência dava lugar à respiração ofegante e era possível sentir os corações de ambos num batimento frenético. 


Finalmente, Monster se deitou ao meu lado, posicionando o braço abaixo de meu pescoço. 

- O que foi isso, mulher?


- Eu te faço a mesma pergunta, querido...


Rimos daquela pergunta retórica. Estava claro que éramos compatíveis sexualmente. 


- Sabe... Na época mais complicada do meu tratamento, estávamos em contato direto e você costumava chegar toda animada contando como tinha sido sua noite. 


- Alta como uma pipa...


- Sim, e era o máximo. Você me fazia viajar com as histórias engraçadas que contava. Eu não podia fazer nada daquilo, mas a sua forma de contar me permitia entrar no meio daquela loucura toda, eu meio que vivia sua vida enquanto você me dava todos os detalhes. 
- Eu queria que você pudesse estar comigo naquelas noites de farra. 
- De certa forma, eu estava.


- Estava... Eu dava um jeito de você participar.


- Boo... Quando eu disse que meus sentimentos por você estavam intactos apesar de toda aquela confusão, era verdade. 


- Fico feliz em saber disso.

- Meu outro lado.

- Sim... Seu outro lado...A música parou e nós também ficamos em silêncio, apenas ouvindo a chuva cair do lado de fora. Se pudesse escolher um momento para eternizar, esse seria o ideal.